José CALIXTO de Medeiros
(1928-1998)
MEDEIROS, José CALIXTO de. Sentinelas da estrada.Prefácio por Simão Salim. Manaus, AM: Editora Umberto Calderaro,1988. 88 p. 14 X 21 cm.
Ex. doação do livreiro José Jorge Leite de Brito.
Sapo.Boi
...O sapo-boi é um berrante vivo,
perdido na mata...
Sapo-boi
Sapo-boi
Sapo-boi,
tu já não cantas
pela madrugada.
A lua é tão triste,
a noite é calada,
a vida se extingue
no horror das queimadas!
É triste a lagoa,
o charco é tristonho;
a restinga bonita
é um deserto medonho!
Sapo-boi,
o teu canto, na noite,
é a canção em que a vida nos diz
que a floresta é uma casa feliz,
onde vive uma vida total.
É por isto
que a ausência de ouvir,
como outrora,
o teu canto de mágoa,
muita vez
do meu rostos uma lágrima
vai caindo no brilho da lua,
essa lua mortiça e distante
que se escande da luz, fugitiva,
e se perde,
medrosa e esquiva,
nesta noite agitada da rua.
Esquina
Perdido pelas ruas de mim mesmo,
estou, agora, parado nesta esquina.
Vejo, fantásticos, por dentro da neblina,
vultos cansados que caminham a esmo
Torturados silêncios se apresentam.
São o espectro de vozes suprimidas
Desfalecidos, a meus pés se sentam
fantasmas longo desta pobre vida:
o menino mirrado pela fome;
o velho triste, abandonado e só;
o soldado que morre matando o seu irmão.
Esquina desta vida dissonante,
convergência das nossas divergências,
vê quanto oprimes o meu coração!
.Velho Trem
Porto Velho, junho de 1983
Velha Maria Fumaça,
eu te amo
nesse longo tempo
de nossas vivências
e nas coisas comuns:
vários milhões de quilos de borracha,
por exemplo.
Trazias.
Eu cortava,
classificava...
E novamente o teu cansaço
por dentro da mata,
na reta quase interminável da Estrada.
Desenganos e esperanças
indo e vindo,
e o apito festivo
na hora linda de tua chegada.
.O Outro Clarão.
Noite.
A dimensão da Estrada
era um misto de luz e escuridão.
No céu eram escassas as estrelas;
pondo-se a lua,
morria o se clarão.
O ônibus corria velozmente,
alimentando-se da distância à frente.
Chamo nuvem de imensa tempestade,
vinha a fumaça, da Estrada rente.
De dento da fumaça asfixiante,
como um duende colossal e errante,
vinha outro clarão.
Era a queimada,
dragão esfomeado,
a lançar chamas, calcinando tudo,
a semear deserto e solidão.
Era sonho ou loucura?
Era verdade!
Ali se via um arraial medonho!
Pontos de foto dispersos longamente,
e o gemido da mata ao chão caída.
No meio das fogueiras tão dispersas,
queimava enorme castanheira erguida.
Era o símbolo das morte programada.
Da sapopema ao derradeiro galho,
o fogo a consumir.
Galhos para o céu, em forma humana,
como a rezar a última oração,
dizia a árvore, pela voz do vento:
Meu Deus, meu Deus, tem compaixão!
Chorava o cerne a selva derradeira.
— Água! — em estertores a árvore pedia,
mais o vento soprava,
mais o fogo subia.
Satisfeita, por fim,
a labareda cessou.
Corria o carro,
a distância a se aninhar
no colo da velocidade.
Deus olhava, do céu,
com Seus olhos de estrelas.
No longo leito da Estrada,
só fumaça ficou.
Eu então indaguei:
— vale a penas, meu Deus?
As estrelas me olharam com tristeza,
e Deus tristemente se calou.
*
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Página publicada em abril de 2021
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